O desafio dos nossos dias...

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Dez 12

 

 

Resolvi copiar pois toca-me o coração...

 

"Levantar cedo, que é dia de Natal! Dia de beijar o pé do Deus menino na Igreja, beijá-lo ao lado do enorme presépio, cuidadosamente feito pelos garotos da minha idade. Era assim em São Vicente, minha terra natal. Tempos saudosos em que freqüentava a Escola Primária. Ela, da Igreja, só distava uma estrada empedrada. Cedinho, me erguia da cama para me deslocar célere, a pé, empolgado e com o coração cheio de alegria e pureza, a fim de beijar o rosado pé divino, feito em barro, privilégio que os meus conterrâneos disputavam, esticando o pescoço franzino até aos limites do suportável, para serem os primeiros beijoqueiros.

A perfumar a memória da nossa existência, ficam estas recordações de pureza e candura, amaciadoras das agruras da vida e das suas peripécias atribuladas, algumas das quais riscam e amolgam o coração. A vida está cheia de ciladas insidiosas, onde menos se espera e a falta de prudência ou o desconhecimento da sabedoria mais profunda, à mistura com alguma tontaria propositada, quantas vezes nos prejudicam e devastam.
O Natal é, além de um dia de festa, de confraternização quase universal, o dia da Criança bafejada pelo espírito divino. Porque é ela, a Criança, o centro de atenção e afeição dos adultos. A pretexto do nascimento de Jesus menino, em Belém, ou como sua conseqüência e seqüência ininterrupta, revemos uma inspiração de nível planetário: são todos os meninos unificados nEste, e as prendas que lhes oferecemos são também um tributo coletivo a Ele, nascido na manjedoura, e nós somos os Reis magos, todos ligados por um cordão umbilical acrônico e utópico.

É este é o dia em que meditamos sobre a nossa própria meninice, memória sempre renascida... é ocasião de revermos o projeto que, mal temperado no início, condimentado o bastante com as vivências dos nossos erros e dos nossos sucessos, traçamos para o nosso percurso terreno, a nossa efêmera e incerta viagem neste planeta, que nos acolhe transitoriamente numa prova de humanidade, bem ou malsucedida.

Jesus Cristo veio à terra numa missão necessária e urgente: indicar o caminho da redenção. Sem meditarmos de vez em quando na sua mensagem, corremos o risco de nos afastarmos da harmonia universal, esta que nos auxilia no convívio e na parceria com e entre os nossos semelhantes.
Este halo mágico de espiritualidade, a percutir emocionalmente nas comunidades das Nações cristãs, vivi-o junto de outros povos, especialmente em Paris e Londres, numa idade ainda de jovem. Lá, como cá, as ruas e avenidas fervilhavam de vida, resplandeciam de luz, brilhavam de deslumbre, a comemorar o dia mais feliz do ano; este que celebriza o espírito da encarnação.

Já nessa altura os brinquedos e os bolos eram expostos ao consumidor da forma mais fantástica e radiosa, apelativos aos transeuntes, a solicitar a tentação da compra irresistível.
Trocávamos, nos dias antecedentes, postais ilustrados, alusivos à quadra festiva, autênticas obras- de- arte com mensagens poéticas, algumas originais, pessoais.

Natal é, repito-o, o Dia da Criança simbolizado no menino Deus. O dia em que todas as crianças são uma só Criança, unificadas num menino Jesus coletivo.

Por isso, em homenagem a este dia, vos historio o que se segue:
Adoro as ruas, as avenidas, os quelhos, as praças da nossa cidade. Em dias de festa, por elas deambulo para observar o ambiente artesanal, arquitetônico, escultórico e humano, ou seja, reparar bem nas pessoas de todos os tamanhos, distinguir os ornamentos de todas as épocas, valorizar a azáfama de todas as dinâmicas, diferenciar os matizes de todas as cores, odores e auscultações, fixar as montras de todos os tamanhos e recheios. Vai fazer um ano, percorria uma rua e deparei, de repente, com uma pobre criança, rota e suja, a observar uma vitrina de bolos de chocolate, resplandecentes pela luz incidente. Eram bolos castanhos, brilhantes, frescos, apetecíveis que faziam crescer água na boca. E a criança ali estava pespegada, imóbil, como uma estaca. Não arredava pé de tanto desejo, certamente salivava de apetência descontrolada.

Olhei- a e abeirei- me dela. Perguntei-lhe se queria escolher algum.
Que sim, e escolheu. Levei-o ao interior da confeitaria, pedi-lhe para escolher mais alguns e comprei--os. Dei-lhos,com a embalagem. Ele sorriu, um sorriso enorme, franco, fascinante, do tamanho do Universo:
- Não me agradeças, porque sou eu quem te vai pedir um favor! No dia de Natal, vais beijar o pé do menino Jesus à primeira missa do dia, na Igreja mais próxima
- Está bem, não me vou esquecer .
E continuei a minha deambulação. Era uma rua comercial, engalanada por todos os ornamentos e enfeites adequados à quadra festiva. Uma rua com arcos e ogivas e muitas lâmpadas coloridas incandescentes. Da rua saía uma auréola de energia luminosa que impedia de se verem as estrelas; não era preciso esticar o olhar para o céu, elas estavam ali na rua. As montras exibiam artigos variados de consumo, lindos, apelativos, acantonando, a cada passo, um presépio feito com esmero e beleza. Resplandecente, sobre as palhas da manjedoura, o menino era aquecido pelo jumento e pela vaca. Maria e José olhavam-no embevecidos.

No dia de Natal de há um ano, lembrei-me daquele menino vadio, que, como eu, quando era criança, beijou o pé de alguém, que morreu na cruz para nos dar um exemplo da purificação da alma.

E este ano, antes do dia mais caloroso e espiritual do ano, continuarei, à semelhança de todos os anos anteriores, a observar as ruas com a esperança de que aconteça algo tão emocionante como o que vos contei neste episódio que não difere muito do nosso dia- a- dia ... Apesar de tudo o que possa surgir, ficarei mais empolgado, se outro cenário e cena mais belos acontecerem, como, por exemplo, deixar de ver crianças esfomeadas a olhar vitrinas opulentas, pela simples razão de que deixou de haver fome neste mundo, neste que todos compartilhamos, sem até agora termos sobre ele uma consciência global!"

  

                       Desconheço o autor"

publicado por emcontratempo às 12:31

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