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Caminhaste, pequeno jornaleiro;
nas ruas da cidade, em diurna lida,
apregoando jornais o dia inteiro.
Já sentes a garganta ressiquida
de gritar... aquebranta-te o cansaço...
Assim é que labutas pela vida...
Alguns jornais ainda tens no braço...
Porém é tarde já. Tremulamente
estrelas vão surgindo além no espaço.
Anseias por descanso. A noite é quente.
E então, desembrulhando o teu jantar,
um pão negro, o mastigas lentamente.
Sentado na calçada a meditar...
depois tiras do bolso o teu dinheiro,
e te pões a contá-lo e a calcular.
Com quanto vais ficar no mealheiro...
sonhas fazer fortuna ainda um dia,
morar em casa rica, ser banqueiro.
E, asas ligeiras dando à fantasia,
vês no teu palacete do futuro,
uma cama luxuosa e bem macia.
Num quarto mobilado com apuro...
não mais vender jornais, nem ao relento,
dormir sobre a calçada, em leito duro...
E comtemplas, absorto, o firmamento,
Onde pareces ver a sedutora
imagem que criou teu pensamento...
Que as asas da fortuna benfeitora
possam trazer-te, em mágica mudança,
tudo isso por que anseias tanto agora!
Porém, se este teu sonho de esperança
se converter um dia em realidade,
hás-de lembrar os tempos de criança...
E, quem sabe? Terás talvez saudade!..."
Maria Nunes de Andrade (bras.)
(copiados de um antigo almanaque
chamado "Almanaque de Santo António"
que me deram, já muito velhinho
e do qual copiei algumas coisas interressantes)