Vem depressa oh Primavera,
que estamos à tua espera!
Vejo dispostos os teares,
e armados os bastidores,
que são para tu bordares,
a oiro do sol e a cores,
charnecas, várzeas, pomares,
árvores novas e velhas,
de folhas verdes e flores,
que dão o mel às abelhas
e a alegria aos lavradores...
Vem depressa oh Primavera,
que estamos à tua espera!
Afonso Lopes Vieira
"Agora e Sempre"
Vai-se, a pouco, esgarçando o nevoeiro,
que adensava a maldade sobre a terra:
- Crimes, traições, sanguinolentas guerras,
destroços fumegantes de braseiro.
Varrem-se campos, onde o horror cimeiro
desvendou a vitória - quanto encerra
satânico raivor, que nada emperra
no humano coração, sem Deus luzeiro.
Vingança? - Nada vale. - O novo crime,
o pranto enxugará da nova dor?
Antes perdão que salva e que redime.
Nova lei, Mundo Novo, anda o Inferno
gritando às multidões. E, Vós Senhor,
do Sinai repetis: - Eu sou o Eterno
Ilha da Madeira, 1945
Padre António da Silva Figueira
(mais um poema tirado de um almanaque já muito velhinho que me deram)
O meu mundo
não é como o dos outros,
quero demais,
exijo demais;
há em mim uma sede de infinito,
uma angústia constante
que eu nem mesma compreendo,
pois estou longe de ser uma pessoa;
sou antes uma exaltada,
com uma alma intensa,
violenta,
atormentada,
uma alma
que não se sente bem onde está,
que tem saudade...
sei lá de quê!
Florbela Espanca
...é como se tudo isto pulsasse dentro do meu ser.
"Deus pede estrita conta de meu tempo
E eu vou, do meu tempo dar-lhe conta;
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu que gastei, sem conta, tanto tempo ?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje quero acertar conta e não há tempo...
Oh! vós que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo;
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta.
Pois aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo. "
Frei Antônio das Chagas
(1631/1682)
"Alvorada
Amanhece.
Pelas frestas da vida
a luz
reluz.
Vai começar o dia dos sentidos,
Da razão
e do medo.
sensações.
Lucidez.
E uma pedra de angústia sobre o peito.
(é precisamente o que sinto... uma pedra de angústia sobre o peito,
que alguém de muito má índole, atirou mais uma vez.)
Mas é ressuscitar!
É renascer!
E levantar a tampa do caixão
e ser de novo Adão
com a maçã ainda por comer."
Miguel Torga
(pois, e onde estão as forças, ... neste momento vou-me segurando às margens da minha fé,
que por sorte é a única que não está abalada.)
Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que às vezes fico pensando, se a burrice não será uma ciência.
'' António Aleixo''
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deiam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? ninguém diz.
ninguém diz?!
ninguém diz?!
ninguém diz?!
se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes águas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo!!!!!
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles p'ra quem eu escrevo.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
a samaritana (Jo 4, 4-30)